Edição 986 (5 de abril de 2008)

Aqueçam os motores



pesar da permanência de muitas bandas antiqüíssimas no mundo fonográfico atual, podemos considerar apenas algumas destas como verdadeiras lendas vivas, verdadeiros poços profundos de histórias já contadas e a ainda o serem. Destaquemos algumas como o Scorpions, o Deep Purple, o Kiss, o Pink Floyd, o Iron Maiden. Só que, com exceção da primeira, nenhuma das outras bandas citadas teve uma carreira ininterrupta, com discos lançados a todo o momento e turnês e shows mundo afora como o Motörhead. O atualmente power trio inglês foi fundado em 1975 pelo baixista, vocalista e beberrão Lemmy Kilmister. Com o passar dos anos aconteceram várias mudanças na formação, porém o Motörhead nunca desapareceu da cena roqueira desde a década de 70.


Verdadeira lenda do rock esse tal de Lemmy! Uma figuraça. Com seu estilo super-agressivo ao tocar baixo e ao cantar com o microfone nas alturas, auxiliou no processo de popularização do heavy metal na década de 80, demonstrando fielmente, e na prática, a maneira de ser do roqueiro, do metaleiro. O Motörhead — com trema mesmo — foi e ainda é um dos grupos mais queridos pelos verdadeiros fãs do rock, principalmente por causa das letras totalmente desleixadas, mas nunca desrespeitosas, compostas por Lemmy, que falam, de modo bem sujo, dos temas mais grotescos, como mulheres, sexo, bebedeiras, drogas e jogatinas.

Aliás, o mau vício dos jogos de azar é o tema da talvez mais conhecida música do Motörhead, o clássico Ace Of Spades. A letra trata dos jogos de cartas e da manipulação destas, enfatizando a carta mais charmosa do baralho, o ás de espadas. Lemmy confessa que compôs essa canção porque é um assíduo jogador, preferindo, porém, apostar nas máquinas caça-níqueis. Então por que não fez uma música sobre as “slot machines”? Segundo ele, com toda a razão, porque “não seria legal cantar sobre frutas rodando!”.

Eu disse “atualmente trio” porque nem sempre foi assim, como a maioria das pessoas conhece o Motörhead. De 1984 até 1995, o grupo contava com dois guitarristas, logo, quatro integrantes. O tradicional Phil Campbell, que está na banda até hoje, e mais alguns pares de outros que não deram certo. Até que em 95 decidiram manter apenas Phil na seis-cordas. Lemmy adorou e empregou o fato como pretexto para deixar a sonoridade de seu baixo elétrico ainda mais nervosa. Diferente da maioria dos baixistas, que tocam com suavidade notas separadas e bem definidas, Lemmy desce o braço nos grossos fios de aço de seu Rickenbacker e faz soar agressivamente cordas soltas e power chords, elementos característicos de técnicas de guitarra, não de baixo.

Hoje, o Motörhead segue carreira e teve seu último disco, Kiss Of Death, lançado em 2006. Por depoimentos de Lemmy e dos outros dois integrantes da banda, o grupo vai continuar tocando por mais um longo tempo. Lemmy sempre se refere ao comediante galês Tommy Cooper quanto à sua morte. Cooper morreu no palco, no meio de uma apresentação. E é assim que o líder do Motörhead quer partir para o outro mundo: no meio de um show. Perguntado sobre seu destino depois do fim, o surpreendente Lemmy retruca com absoluta certeza: “O inferno. Lá estão todas as mesas de sinuca”.

Só rindo mesmo!

Nesta quarta-feira, no meu acesso semanal ao site de cifras e letras do Terra, o Cifraclub, me deparei de frente com o imenso abismo no qual caímos. No “Top Letras”, as letras mais acessadas do site, está na segunda posição a ‘música’ — o quê? — “Dança do Créu”, do MC Créu. Quando vi aquilo, senti vergonha de ser brasileiro. O pior de tudo é que, seguindo o dito de que não é o artista que faz o público e sim o público que faz o artista, não é o MC Créu o total “culpado” disso tudo. Mas sim a parcela burra, idiota da população brasileira, que são as pessoas que escutam essa porcaria. E o que mais me assusta: tem idiotas em todos os lugares, porém, poucos. Só que no Brasil essa parcela aparenta ser grande.

Primeiro que quem escutou esse lixo musical, mesmo que por acaso, sabe que a letra consiste em poucas palavras, sendo a maioria delas “créu”. Então, perguntem-se: quem se interessaria por saber cantar uma letra dessas? Saiba que um dos vídeos da “Dança do Créu” no Youtube já foi visto mais de oito milhões de vezes. E não vai demorar muito para que esses excrementos apareçam no Faustão, no Luciano Huck... Pois é, a grande mídia dá total apoio para “isso”. E é pior ainda saber que a maioria da platéia vai dançar e cantar junto. Todos brasileiros, nossos conterrâneos, envergonhando o glorioso passado musical do Brasil. Muita gente boa da música brasileira que já morreu e que inclusive já foi nesses programas de TV não vai parar quieta no túmulo.